E se você fosse arrancado à força de sua própria casa?

Reflitamos todos: como você se sentiria se um agressor entrasse em sua casa e lhe arrancasse dela, jogando-lhe num lugar esquisito e desconhecido?

 

Imagine você perdendo repentinamente aquele lugar gostozinho, cheio de objetos, cheiros e presenças que lhe dão segurança e prazer. E não só sendo sequestrado, arrancado de um golpe só do seu mundo conhecido, mas, e isso é mais aterrador ainda, sendo jogado num mundo totalmente diferente, para não dizer o oposto, de tudo o que você conheceu até então.

Deu angústia? Se você entrou na onda, tem que ter dado. Porque é horrível perdermos tudo o que temos, perdemos o nosso mundo conhecido. Quando perdemos alguém muito querido, sofremos porque a nossa vida sem aquela pessoa é outra, é terrível, é vazia. Perdemos um mundo que tinha aquele alguém e que, com sua morte, não será mais o mesmo.

E você não acha que o bebê, que é um ser com cérebro funcionando, com sensibilidade, não vai sentir nada, nenhum sofrimento, nenhuma angústia, ao perder o corpo da mãe, o único universo que conhece e reconhece?

Insisto no verbo reconhecer para enfatizar que os elementos que estão na vida intrauterina que o bebê teve até nascer, que são os únicos que ele é capaz de reconhecer e que vai perdê-los todos de uma só vez, são:

1. O contato ininterrupto e o calor que vem de um outro corpo que não o seu;

2. O movimento que o embalava incessantemente dentro do útero materno (como a um passageiro dentro de um carro);

3. O barulho cadenciado das batidas do coração da mãe, que os ouvidos do pequeno ser registraram sem parar até o momento em que foi lançado fora do corpo materno, quando, repentinamente, ele caiu num vazio total daquele som forte como um bumbo que cessa de bater.

Dá pra perder tudo isso numa boa? É mole?

É, isso sim, desumano.

Paremos pra pensar na forma com que destituímos, alijamos, o recém-nascido do corpo da mãe. É uma questão de raciocínio lógico: não dá pra fazer isso com um serzinho tão desamparado e sem recurso.

Em alto e bom som: o bebezinho humano não está preparado para perder o corpo da mãe de uma cacetada só. Tem que ser gradual. Ele precisa da exterogestação, de ser carregado na bolsa canguru colado ao corpo da mãe, e estamos conversados!

Luciene Godoy